domingo, 8 de julho de 2012

Eu, delírio. Conto I.

Em 1994 o álbum de mais sucesso do Oasis foi lançado, em maio do ano seguinte foi inaugurado o primeiro cinema na minha cidade, em setembro foi batido o record da mulher que chorou por mais tempo. Em dezembro, dia 26 foi a noite em que meu pai desmaiou três vezes e que eu desci ao cenário de loucos que condenaria a minha existência. Também foi a noite em que o namorado da minha mãe me batizou, me chamo Quimi. Talvez ele fez por vingança, ou por deboche do meu pai que se chamava Quimeraldo e mudou o nome pra Roberto. Quatro dias depois, era um novo ano de uma vida esburacada. A existência de quem me rondava nunca mais seria a mesma. 

O cenário pouco mudou desde que mudamos pra uma pequena cidade de um misero lugar, um quarto sem porta, janelas emborrachadas, sem tv a cabo. Roupas brancas, tênis estudantil, sofá pequeno e sem facas por perto. No meu rosto não ocorreram mudanças, tenho quase 16 anos e não tenho barba - nem sinal que nascerá por tão perto. Nariz fino, boca sem gosto e olhos que descrevo como a ligação entre um corpo e alma. Não sei o que é ter amigos populares, só conheço o Jasckson - falo dele mais tarde, nem jogar basquete quando tempo está com neblina, nunca toquei guitarra e a unica garota que me beija é a Dr. Heaven (paraíso até no nome). Apesar disso, ganhei prêmios de campeonatos de xadrez e judô quando tinha 10 anos, desde então tudo perdeu a graça e o sentido se perdeu de mim. 

É o que tenho sentido demais que não me deixou dormir por quarentenas. Sentido o mundo escorrer pelos meus olhos roxos, sentido o gosto de  sangue na água da pia, sentido a minha mãe me dar banho sempre as 6h e me dar balas de sono sempre as 9 30h. Sentido nada me fazer dormir, ou nada me fazer acordar. Sentido sonhar de olhos abertos, cheirar o carpete e leões me abraçarem ao cochilar na cadeira do vô, sentido minhas asas cortadas quando pulei do 15° degrau. Sentido é o que não existe em mim, sentido é o que só existe pra mim. 

Um comentário:

  1. Como você faz essas coisas, Hélida? Queria ter 1/4 da sua criatividade, pqp

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Trecho de "Eu, delírio."

"Sendo despertado por amantes que batem na porta às 5:50h da manhã e esperam ser atendidos com um belo sorriso, e um exalo leve do cheiro que carrego. Devo avisa-los que veneno tem gosto doce, e é um delírio em fim de tarde. Não acostume-se com o sabor, se não vai beber dessa água por muito tempo."

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Escrevo porque não posso sair gritando nas ruas, ou talvez escrevo porque ainda não tenho o que falar. Hélida Carvalho, inspirada na musica que me ouve.

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